As melhores aberturas de 2024 (até agora)
e um apelo: não deixe as vinhetas longas morrerem
Olá, leitor! Nem só de ensaios sobre cultura e internet vive este blog/newsletter. Hoje quero falar sobre duas das minhas grandes paixões: arte e televisão, mais especificamente aberturas.
Eu adoro quando uma série tem uma boa abertura. As vinhetas me chamavam atenção desde criança, e me levaram a escolher o design gráfico como profissão (mesmo que hoje em dia eu rosne pro After Effects).
Uma boa vinheta funciona como um experimento de Pavlov que faz o espectador salivar por uma boa história. Se tudo der certo, ela chama todo mundo pra frente da TV, vende a história para novos espectadores e complementa o episódio para quem conhece a trama. Se tudo der muito certo, ela se torna uma obra de arte inesquecível.
Agora que a TV está nos apps, nossa atenção é a moeda mais preciosa e as empresas saem no tapa pra mostrar mais anúncios por minuto, aberturas têm perdido espaço nas plataformas, e estão sendo substituídas por title cards. Sim, eles podem cumprir perfeitamente o papel de cartão de visita, mas não deixam de ser um sinal da obsessão de streamings e emissoras com otimização de tempo.
2024: só a raspa do tacho
Este é um ano muito, muito lento pra televisão, ainda vivendo a ressaca das greves de 2023 e o fim de excelentes séries, como Succession e Better Call Saul. Não sei se é cedo pra falar e se é apenas uma entressafra, mas 2024 parece ser o último ano da primeira era de ouro do streaming, e isso fica muito claro com os indicados ao Emmy. Com todo respeito — eu gostei da série — mas ver Sr. e Sra Smith concorrendo a melhor série de drama é um pouco demais.
Espero falar de premiações num futuro próximo, mas esse não é o foco do post de hoje. O foco são as vinhetas. E é justamente por estar tudo tão parado que acabei selecionando também alguns dos melhores trabalhos dos estúdios e designers, então não se preocupe: a edição de hoje vai encher os olhos.
Vamos aos nomes!
Sunny (Apple TV+)
Estúdio: Elastic
Direção criativa: Benjamin Woodlock
Diretora de animação: Margherita Premuroso
Design: Margherita Premuroso, Yosuke Ando
Animação: Margherita Premuroso, Cindy SooHoo
Editora: Rachel Fowler
Storyboards: Arien Walizedeh
Sunny tem uma proposta interessantíssima: a história começa quando Suzie (Rashida Jones, de Parks and Recreation e On The Rocks), uma americana morando no Japão, recebe a notícia do desaparecimento (e provável morte) de sua família num acidente aéreo. É quando ela recebe a Sunny, um robô doméstico, programado em vida por seu marido, Masa (Hidetoshi Nishijima, de Drive My Car).
Profundamente solitária e lidando com o luto do desaparecimento de seu marido e filho, Suzie sequer sabia da profissão real de Masa, e não vê Sunny — ou robôs em geral — com bons olhos, mas acaba se conectando com a IA, que tem a missão de preencher o vazio na vida da americana.
Essa vinheta traz uma mistura de design gráfico japonês dos anos 60 com influências claras do lendário designer e cineasta Saul Bass (1920-1996), que mudou pra sempre a forma de se fazer aberturas e créditos de filmes. Bass fez títulos clássicos para filmes como North by Northwest: Intriga Internacional (1956), Os Bons Companheiros (1990) e os pôsteres de Um Corpo Que Cai (1958) e O Iluminado (1980).
A música tema é “Suki Yo Aishite” (1970), da cantora e atriz Mari Atsumi; a animação foi dirigida por Margherita Premuroso, e a direção criativa é de Benjamin Woodlock, do estúdio Elastic, de Los Angeles.
A Elastic também fez as aberturas de The Morning Show e The Problem With John Stewart (AppleTV+), The Last of Us e Scenes From a Marriage (HBO) e uma das minhas preferidas, The Politician (Netflix), que usa como tema a belíssima Chicago, do Sufjan Stevens.
Palm Royale (Apple TV+)
Indicada ao Emmy de Melhor Design de Abertura!
Estúdio: Imaginary Forces
Diretor Criativo: Ronnie Koff
Designer: Ronnie Koff
Animadores: Nader Husseini, Rob Slychuk
Editora: Lexi Gunvaldson
Produtores: Jordan Sharon, Michael Boretz
Coordenador: Jackson Kerr
Música: Jeff Toyne
Por falar no impacto de Saul Bass, ele fica ainda mais explícito na sequência de abertura de Palm Royale, saída direto de um filme de espionagem dos anos 60.
Indicada a 11 Emmys, incluindo Melhor Série de Comédia, Palm Royale é uma comédia dramática que se passa em 1969 e acompanha uma mulher ambiciosa, que quer se tornar parte do high society de Palm Beach. A música original composta por Jeff Toyne para a abertura dá o tom da trama.
A última parte, com uma moldura quase hipnótica e um corpo que cai são referências diretas a… bem, Um Corpo Que Cai (1958), no pôster e na sequência de abertura.
Essas curvas meio ~psicodélicas~, também feitas no espirógrafo (a régua de brinquedo, lembra?) são na verdade cálculos matemáticos chamados hipotroclóides e epitroclóides, e fazê-los em computação gráfica era uma novidade absurda (e caríssima) pra época.
Voltando a Palm Royale, você deve ter notado que os nomes têm um peso maior que as ilustrações. Foi a intenção. Segundo Ronnie Koff e Rob Slychuk, do estúdio Imaginary Forces, não dava pra não destacar o elenco de peso da série. Os elementos são sempre complementares, direcionando o olhar para nomes de peso como Laura e Bruce Dern, Kristen Wiig (indicada ao Emmy de Melhor Atriz em Série de Comédia) e Carol Burnett.
Dica pra quem tá aprendendo a entender fontes agora e vive em cidades com prédios antigos: olhe pra cima! Você encontrará muitos tipos parecidos em letreiros de prédios modernistas, especialmente os construídos entre 1920 e 1960, como por exemplo, o edifício Cicero Prado, nos Campos Elíseos, projetado em 1953 pelo arquiteto judeu naturalizado brasileiro Gregori Warchavchik.
Aliás, tenho um sonho distante e muito específico: um dia quero juntar leitores, amigos e outros nerds de fonte e sair fazendo um safári tipográfico por aí.
A Imaginary Forces também assina as aberturas de Stranger Things (Netflix) e Mad Men (AMC), ambas vencedoras do Emmy de Melhor Abertura.
True Detective: Night Country (HBO)
A abertura da primeira temporada de True Detective é uma das favoritas do público e há quem diga que já se tornou tão marcante quanto as vinhetas de séries de prestígio, como The Sopranos, Mad Men e Six Feet Under, então a nova parte da antologia, com Jodie Foster, teve que subir o sarrafo. E conseguiu com louvor.
Peter Anderson, diretor criativo do estúdio londrino que leva seu nome, descreve o resultado final como uma “peregrinação cinematográfica” entre a tundra do Alasca e suas águas profundas e geladas. A natureza do Ártico, imersa num manto de escuridão e capturada em planos distorcidos e ágeis, mergulha o espectador numa atmosfera tensa e na sensação de que tem algo prestes a acontecer. Tudo isso ao som da ótima “Bury a Friend” de Billie Eilish.
Anderson também produziu os títulos de Good Omens (Amazon) e da comédia romântica Vermelho, Branco e Sangue Azul, também da Amazon.
Bad Sisters (Apple TV+)
Também do Peter Anderson Studio é a abertura da série irlandesa Bad Sisters, da Apple TV+, com um cover FANTÁSTICO da PJ Harvey de Who By Fire do Leonard Cohen. <3 <3 <3
Como é bom ver efeitos práticos e coisas feitas à mão! Essa aqui é uma versão mais adulta e sombria de uma máquina de Rube Goldberg. Quem cresceu nos anos 90 provavelmente é familiar com a engenharia e o efeito cascata das Rube Goldbergs por causa da abertura do Rá-Tim-Bum, da TV Cultura.
Shōgun (FX)
Indicada ao Emmy de Melhor Design de Abertura!
Estúdio de Design: Elastic
Diretora Criativa: Nadia Tzuo
Designers: Ilya Tselyutin, Mike Zeng, Christiano Rinaldi, Min Shi
Animadores: Alex Silver, Mike Zeng, Lee Buckley, Evan Larimore
Modeladores: Jose Limon, Joe Paniagua
Música: Atticus Ross, Leopold Ross and Nick Chuba
Editores: Rachel Fowler, Teddy Gersten
Assistente de Edição: Javier Gonzalez
Storyboard: Frank Dellafemina
Cor: Andrew Young
Chefe de CG: Andy Wilkoff
Produtora Associada: Hannah Rowswell
Produtor Sênior / Chefe de Produção: Paul Makowski
Produtora Executiva: Kate Berry
Diretora Administrativa: Eve Kornblum
Depois de Game of Thrones, todas as aberturas de séries épicas começaram a ficar meio chatas.
Mas há um elemento muito especial em Shōgun, drama do FX. Esta, que é a aposta do ano para Melhor Série de Drama (e concorre a outras 24 indicações!), é a primeira produção em língua japonesa a ser indicada ao Emmy e a segunda em idioma “estrangeiro” (a primeira sendo a coreana Squid Game).
Após seu navio naufragar em costa japonesa, o navegador inglês John Blackthorne é capturado e se vê em meio às intrigas políticas e conflitos internos do Japão feudal do século XVII, enquanto luta pela sobrevivência e tenta compreender a hierarquia e o sistema de honra dos samurais. A série é uma adaptação do livro homônimo de 1975, do australiano James Clavell.
Na vinheta, toda feita com palácios e montanhas em miniatura, não dá pra não reparar nos belíssimos jardins secos. Os (枯山水, karesansui), conhecidos como jardins de pedras existem desde o período Heian, o período em que a classe samurai se estabeleceu pra depois se tornar uma parte importante do Japão feudal (em que a série se passa).
Feitos de cascalho, pedras e outros materiais secos, estes jardins fechavam e dificultavam o acesso aos palácios. E essa ideia de distanciamento foi o fio condutor do processo criativo pra abertura de Shōgun.
Nadia Tzuo, diretora criativa do projeto assinado pela Elastic (que também fez a abertura de Sunny), falou em entrevista à Mashable sobre como a simbologia do karesansui caiu como uma luva no universo da trama.
"O jardim foi feito para ser observado à distância. Não se deve estar nele. Ele oferece uma perspectiva de terceira pessoa. Esse ponto de vista observacional combina com a o conceito da série, porque Blackthorne (personagem de Cosmo Jarvis) é um forasteiro. Ele observa tudo o que acontece, mas não pode interferir."
Renascer (Globo)
Criação: Camila Crespo, Julia Rocha e Vanderson Castro
Direção de arte e logo: Júlia Rocha e Will Nunes
Roteiro: Camila Crespo e Julia Rocha
Direção: Camila Crespo, Julia Rocha e Og Cruz
Fotografia: Og Cruz
Edição, colorgrade e efeitos: Gustavo Korontai
Animação de logo: Daniel Tumati
Produção Globo: Fernanda Deway
Produção Executiva local: Gabriel Bico
Além de abençoado com gente boa e natureza exuberante (quando o céu não tá cinza de tanta queimada criminosa), o Brasil é muito, muito bom de vinhetas, e uma grande parte disso se deve, é claro, à Rede Globo, que mantém viva a tradição de fazer excelentes aberturas pra praticamente todas as suas produções. Que bom pra gente.
A vinheta da novela Renascer é uma delas, e na minha opinião é a produção mais bonita da Globo esse ano e a minha favorita dessa lista.
Aqui, o personagem principal é o cacau em todo o seu ciclo, do plantio à colheita, passando pela espera e pela chuva, que ganha destaque e faz arrepiar na tela. A água lava o passado, cura e traz o perdão.
A distorção das lentes e o uso de fumaça pintam um tipo de realismo fantástico que só podia existir na América Latina. A direção de arte chamou esse apelo onírico de “floresta mágica”.
As cenas foram captadas em duas diárias em Ilhéus, numa fazenda da região, e numa área de proteção ambiental da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), e as cenas mostram a cabruca, um sistema sustentável de cultivo de cacau no qual as árvores nativas da região servem de sombra aos cacaueiros. A cabruca é utilizada principalmente na Bahia e no norte do Espírito Santo.
A criação e a direção de arte da abertura são da dupla Júlia Rocha e Camila Crespo. O trabalho é interno, desenvolvido pela área de Marca e Comunicação da Globo, e contou com o apoio da produtora baiana FFÅ.
Para o Gshow, Júlia Rocha conta que roteirizou a abertura como um ciclo:
"O pacto de José Inocêncio com o Jequitibá, ao fincar o facão aos pés dessa árvore ancestral, vincula sua alma à terra. A abertura começa e termina no mesmo lugar, representando essa ligação. Assim como a trama, que fala de legado entre pai e filho, de volta às raízes em um ciclo que não se encerra. É começo, meio e começo. Ele renasce."
A Júlia Rocha também assina a direção de arte da abertura de Quanto Mais Vida, Melhor. Aqui, o tema é o encontro com a morte e como os personagens, apesar de pertencerem a mundos completamente diferentes, estão conectados por este elemento comum. Um show de maximalismo surrealista.
Criação: Julia Rocha
Direção de Arte: Julia Rocha, Caramuru Baumgartner, Fabricio Duque, Igor Ching San e Alexandre Romano
Design do Logo: Julia Rocha e Bruno Meira
Artistas 3D: Alex Paiva, João Carlos, Vinicius Paciello
Executivo de Contas: Suzana Prista, Dryelle Primo e Pilar Lima
Gerente de Produção: Ricardo Leo
Produção Executiva: Fernanda Deway
Design de Som: Ricardo Leão e Daniel Tauszig
Arte Conceitual, Animação 3D, Rigging, Composição e Pós-Produção: Koi Factory
Se você é diretor de arte (ou curioso), vale a pena dar uma conferida no site da Júlia. Ela expôs o processo criativo em detalhes e moodboards, e criou um universo para cada um dos quatro protagonistas (interpretados por Vladimir Brichta, Giovanna Antonelli, Mateus Solano e Valentina Heszage). Coisa fina demais.
E você? Me conta aí suas aberturas favoritas, atuais ou antigas!
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Até a próxima!
agora estou me perguntando se "succession" era mesmo uma boa série ou se no fundo eu só esperava toda semana pra ouvir o piano na abertura.
acho difícil não botar a abertura de "a indomada" ou "o rei do gado" como minhas favoritas, tremendamente cafonas para os padrões atuais mas impossíveis de serem esquecidas. das mais recentes, fico com "the white lotus" com as ilustrações do lezio lopes.
no mais, aceito convite pro rolê arquitetônico-tipográfico.
The Bear é bom demais!