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Na minha infância, morei em uma cidade com uma quantidade cômica de médicos. O jaleco branco era uma espécie de emancipação da pobreza, então o sonho de toda mãe era ter um filho formado em Medicina. Os doutores tinham um papel central naquele ecossistema, eram respeitados, tinham posses, fazendas, secretarias na prefeitura. Clássicos do forró como “Filho do Mato”, do Saia Rodada, e “Saga de Um Vaqueiro”, da banda Mastruz com Leite, pintavam perfeitamente as tensões de classe entre doutores e os vaqueiros que os serviam.
Minha bisavó foi empregada do prefeito, “praticamente da família”; minha avó foi secretária e alfabetizou todo mundo; minha mãe, esteticista amiga das clientes, recebia chaveirinhos e souvenires do mundo inteiro, uma gentileza que rasgava um abismo entre nós e eles. Apesar de alfabetizados, cultos, bem educados e dando o nosso melhor, o abismo persistia. Éramos vaqueiros do asfalto.
Eu fui a única criança negra da sala por alguns anos, e tenho praticamente tatuada na mente a vez em que um menino da minha sala ficou surpreso (e enojado) porque nunca andei de barco — mais especificamente de iate. Por muito tempo, essa coisa do barco me deixou insegura. Eu amava o mar, vivia na praia, mas tinha algo com o barco. Alguma coisa dava errado na véspera, eu desmarcava, dava pra trás. Me imaginava enjoando e vomitando na água, caindo no mar e sumindo pra sempre, como o homem que desapareceu no cruzeiro do Neymar.
Não sei se a cliente da minha mãe e o menino do iate eram ricos mesmo ou se era só minha cabeça de criança aumentando o tamanho de tudo, mas durante a faculdade fui exposta a outro tipo de gente rica, muito diferente daquela dos filhos dos doutores-fazendeiros-políticos do interior.
O chá revelação de classe de namorados e amigos demorava meses para acontecer. Os sinais vinham em ondas: rolês e pequenas viagens pagos com um cartão de crédito que parecia infinito apesar de uma rotina livre de trabalho; avós viajadas, que tinham hobbies, sabiam falar quatro línguas e tocar piano; a mesma equipe de empregados desde sempre… Era a primeira vez que eu via aquele tipo de coisa fora dos filmes e novelas. Fingi naturalidade. Ao mesmo tempo, também era novidade existir tanta discrição em torno do próprio dinheiro. Seria humildade? Vergonha? Autopreservação? De quem estariam se escondendo e por quê?
Só depois é que entendi.
2024. Enquanto tanta gente perde tudo em cassinos, rifas online e cursos de coaches, meu algoritmo mostra o mundinho das entusiastas do luxo que se dedicam não ao ganho de dinheiro, mas à performance. Roupa de rica, unha de rica, cara de rica. As minúcias do estilo de vida das socialites nunca foram tão estudadas.
É um cosplay quase autoconsciente; uma tentativa de hackear o ciclo do acúmulo de capital por camuflagem: tá vendo essa calça de rica? É da Shein! Essa blusa de grife é igualzinha àquela do AliExpress. Saiba como ter a pele da Lala/Lele/Lili (insira sobrenome europeu aqui) apenas com vaselina e o creme Nivea da latinha azul. São nichos inteiros do TikTok dedicados à arte de emular o arquétipo herdeiro, detalhe por detalhe, a preços acessíveis.
Mas com tantos sinais de riqueza “deselegante” por aí — a elite das coberturas em Balneário, dos conjuntos estampados da Gucci, do estilo arquitetônico greco-goiano e das viagens pra Dubai — nem tudo convém.