Triplex: clássicos da Música Etílica Brasileira e aquele adesivo do Calvin
as coisas que não saíram da minha cabeça nos últimos 15 dias
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Um comediante de quem sou muito fã disse que sempre que algo ocupa a cabeça dele por quinze dias, ele precisa escrever sobre e levar pro palco.
Nesse espírito, inauguro Triplex: comentários rápidos sobre coisas que ocuparam meu juízo nas últimas duas semanas. Escrever ensaios e textos mais sérios demanda muito tempo e energia, então quero escrever coisas mais leves de forma recorrente. Bora lá!
Raimundo Soldado: Conquistando o Mundo
Numa daquelas correntes de Instagram, uma amiga muito metaleira revelou que o primeiro show que ela viu na vida foi o show do Raimundo Soldado. A surpresa de ouvir esse nome depois de tanto tempo me fez rir e me deixou emocionada, porque me trouxe uma das poucas memórias que tenho do meu avô.
Raimundo Teles Carvalho, o Raimundo Soldado (1946-2001) é um verdadeiro titã da Música Etílica Brasileira. Celebrado na Tri-State Area (Maranhão, Piauí e Ceará, minha terra natal), sua música era uma mistura de disco, funk, carimbó, forró e música romântica — aquele bregão de seresta tão popular nas cidades do interior do Nordeste.
Não que precise de um gringo pra redescobrir a genialidade dele, mas sinto que o Raimundo Soldado ainda é pouco apreciado fora do Nordeste. “Abraçando Você”, do disco homônimo de 1980, é exatamente o tipo de música que o David Byrne relançaria pela Luaka Bop com um encarte muito foda.
“Meu Torrão”, de 1980, é a música que ele escreveu pra sua terra natal. Namorador, Raimundo dá a entender na letra que o motivo que o fez ir embora de Santa Inês, no Maranhão, foi “muita perseguição”. E realmente, dá pra imaginar o motivo pelo qual o estilo do homem despertava inimigos. As capas dos primeiros discos dele são fantásticas.

Esta é a minha favorita:
Ouvindo depois de adulta, fico pensando: cara, que coisa linda e honesta em todos os aspectos. Na letra, no sentimentalismo, no desafinado sincero da voz… Tem coisas que a gente só entende depois de experimentar a melancolia da vida adulta pela primeira vez.
Escutar Raimundo Soldado me deu muita vontade de morar numa casa com quintal, fazer um churrasquinho e beber cana sentada pensando na vida.
A cantora apaixonada do Brasil
Já que estamos falando de música romântica popular, não tem como não falar de Diana: a cantora morreu nesta quarta-feira (21), aos 76 anos. Diana (nome artístico de Ana Maria Siqueira Iório) nasceu no Rio de Janeiro em 1948 e começou a cantar na última fase da Jovem Guarda, em 69.
Sempre me fascinou a forma com que a Diana cantava sobre coisas tão tristes — perdas, corações partidos, brigas irreconciliáveis — com uma voz tão serena. Uma coisa meio Karen Carpenter, mas sem os registros graves.
O LP de lançamento da Diana foi produzido em 1972 pelo Raul Seixas (na época conhecido apenas como Raulzito), e tinha principalmente versões de músicas estrangeiras. “Porque Brigamos”, regravação de “I Am… I Said” do Neil Diamond, na minha opinião não só é melhor que a original como é uma das músicas mais bonitas do Brasil.
Outra regravação, “Tudo Que Eu Tenho”, entrou na trilha sonora de “O Céu de Suely” de 2006, do cearense Karim Aïnouz. É uma versão em português de “Everything I Own”, do Bread, uma das músicas mais bonitas (e mais tristes) que conheço. Na versão da Diana, ela ganha um arranjo orquestral lindíssimo no refrão.
“Fatalidade” é uma canção linda sobre um casal que se conhece por acaso numa viagem de trem. Alguém devia fazer um edit da trilogia Before com ela.
Nuggets e palavras
A Ellen Lupton tá no TikTok! Entre designers e entusiastas de fontes, Lupton é conhecida por ter escrito o “Pensar com Tipos”, uma verdadeira bíblia da tipografia e diagramação. Ela também escreveu “Extra Bold”, um livro que é meio zine, meio guia de design decolonial/antirracista.
Os vídeos dela são uma fofura e resolvem dúvidas de diagramação do dia a dia de um jeito que é perfeito pra não designers. Me sinto vendo um programa da TV Cultura sobre comunicação visual.

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A morte da bezerra
A língua espanhola tem uma expressão pro momento de distração que te desliga do mundo: pensar en la inmortalidad del cangrejo (ou pensar na imortalidade do caranguejo).
De cara, traduzi pro bom português brasileiro: pensar na morte da bezerra. Tem também a alternativa cearense: “enfiando bufa em cordão”.
A contemplação é algo tão universal que vários idiomas têm sua própria morte da bezerra.
Em tcheco e eslovaco: “pensando na imortalidade do besouro”;
Em finlandês: “sentando e pensando no mito da criação do mundo”;
Em polonês: “pensando em amêndoas azuis”
Em romeno: “pensando na imortalidade da alma”
No espanhol da Colômbia: echando globos - “enchendo bexigas”
E o meu favorito, do espanhol da Venezuela: pensando en pajaritos preñados - “pensando em passarinhos grávidos”.
Integridade artística (e o que o adesivo do Calvin mijando tem a ver com isso)
Semana passada vi um caminhão com o famoso decalque do Calvin, o personagem dos quadrinhos, urinando no escudo de algum time. Pra você que é jovem, nos anos 90/2000, os adesivos de Personagens Mijando em Coisas estavam por toda parte, assim como as bermudas da Bad Boy/Sexy Machine, as blusas da Fido Dido e da Pakalolo e os adesivos de rádio FM/lojas de surfwear colados na janela.
Pra mim, eles são os antecessores espirituais de outro meio extinto: as comunidades “eu odeio” do Orkut. Toda geração encontra um jeitinho próprio de comunicar pro mundo o quanto detesta alguma coisa.
Mas de onde veio essa ilustração?
Bom, o que eu sabia com certeza é que o Calvin Mijando não era oficial. Afinal, não precisa ser um grande expert em Bill Watterson pra saber que esse menininho inocente, gentil e imaginativo jamais faria algo assim. Calvin tem educação! Princípios!
Aliás, falando em princípios, quando perguntei do tal adesivo no Twitter, o Pedro Monteiro me indicou este vídeo do Phil Edwards.
Phil, que se tornou um expert em matéria de Calvin Mijando, usa o famoso decalque como ponto de partida, mas acaba dando uma aula sobre o modelo de distribuição e licenciamento de quadrinhos. Em resumo, Bill Watterson, o criador de Calvin & Haroldo, não gosta da brincadeira, mas já se deu por vencido, já que os custos de brigar judicialmente pela integridade da sua criação são altíssimos. E ele já recusou muita grana pra manter seu legado criativo intacto.
Eu nunca tinha parado pra pensar que existe todo tipo de adaptação, remake e item de merch de outras franquias como Garfield, Peanuts e Turma da Mônica, mas nada de Calvin & Haroldo. Na verdade, o único contato que tenho (e que provavelmente você deve ter) com a obra de Watterson é por meio dos quadrinhos nos livros didáticos.
A essa altura, já devia existir no mínimo uma pelúcia do Haroldo, um caderno… um jogo pra Game Boy Advanced… uns dois filmes horrorosos com o Ryan Reynolds… um crossover com o Universo Marvel…
Acontece que Bill, que está vivo e tem uma vida discreta, é muito contra venda de merchandising. Além dos livros, houve pouquíssimas situações em que ele autorizou o licenciamento dos personagens: uma delas foi pra uma exposição sobre Calvin e Haroldo no MoMa. A outra foi pra uma coleção de selos da USPS, o serviço postal público dos Estados Unidos.
Ele decidiu não licenciar seus produtos por três motivos:
O público se cansaria de ver Calvin e Haroldo em todo canto o tempo todo;
O merch raramente respeitaria a essência da mídia original (neste caso, as histórias). Muitas sutilezas do universo multidimensional que Watterson criou se perderiam num produto que tem necessidades unidimensionais;
Watterson acredita que a sua alma está inteirinha naqueles personagens, e que terceirizar esse trabalho é tirar um pouco dela. Ele prefere desenhar e colorir por conta própria ao invés de aprovar o trabalho de outra pessoa ou supervisionar uma equipe.
Bill Watterson ganhou dinheiro criando e ilustrando suas próprias histórias, e poderia ser muito mais rico se escolhesse licenciar seus personagens para o cinema ou para itens de vestuário, mas preferiu não.
Isso me lembra da decisão da Joanna Newsom de não disponibilizar sua música no Spotify. Ela se refere à plataforma como “uma conspiração vilanesca de grandes gravadoras”, e diz que “o modelo de negócios [do Spotify] é construído desde o início em cima da ideia de contornar o pagamento dos artistas.”
Durante a pandemia, artistas como Neil Young e Joni Mitchell participaram brevemente do clubinho dos artistas fora do catálogo do Spotify, mas Newsom permanece firme no boicote desde quando o app surgiu. É uma decisão que faz sentido, mas complica minha vida, já que como uma grande fã, eu sempre quero indicar as músicas dela pros meus amigos (e, por algum motivo, todo mundo usa o Spotify).
Claro, Joanna Newsom, apesar de não ser uma artista pra todo mundo (afinal, 16 minutos de harpa são para os fortes) seria muito maior se estivesse no Spotify, e Calvin & Haroldo, com milhões de leitores pelo mundo, tem um grande potencial de ~monetização~ e ~alcance~.
Mas será que monetização e alcance são sempre o maior desejo de um artista?
And you laws of property!
Oh, you free economy!
And you unending afterthoughts;
You could've told me before
Never get so attached to a poem, you
Forget truth that lacks lyricism, and
Never draw so close to the heat, that
You will forget that you must eat, oh
Newsletters
Teve Brenna comendo comida baiana em São Paulo na
;Teve H. Conrado escrevendo um retrato lindo demais da sua avó na
;… ainda falando de avós, teve Larissa Martins (que cobre televisão no Coisas de TV— sou muito fã!) falando sobre sua avó, Silvio Santos, o que perdemos no tempo e o que se mantém;
… ainda falando de TV, teve Isabela Thomé na Eu Destruirei Vocês investigando o reality Estrela da Casa, que… definitivamente é um dos realities já feitos;
Teve uma análise do debate sobre o brat summer, a Charli XCX (que com todo respeito, eu acho uma chata) e o quanto nós estamos viciados em ficar em casa mexendo no celular em “The Mainstreaming of Loserdom”, da newsletter Telling The Bees.
E por aqui, teve você me ajudando a bater a marca de 4500 inscritos! Jamais imaginei que chegaria a esse número tão rápido. Obrigada por me ler, assinar e recomendar. De verdade.
Mas e você, hein? Como tá a sua vida? O que você tem feito? Conta nos comentários! Ah, e se tiver perguntas ou sugestões pras Cartas do Leitor, é só entrar no chat de assinantes:
Obrigada pela leitura e até a próxima!
sou fã do adesivo do calvin mijando — tinha muita gente na comunidade do orkut do criciúma que usava de avatar um calvin fazendo xixi no escudo do figueirense — mas também me questiono muito sobre o alastramento dos adesivos de kick buttowski. aquele desenho obscuro do disney channel que ninguém gostava. não sei se é um fenômeno puramente catarinense, mas eu vejo muita moto por aí com esse personagem fracassado estampado nela. talvez seja "radical". eu não sei mais de nada
como eu pude viver até hoje sem conhecer raimundo soldado!?! muito obrigada por essa. e adorei o novo formato curto!